17 de jun. de 2009

Escritora de Cubatão lança livro infantojuvenil

Em entrevista, Mô Amorim fala da criação de “A Nuvem Vermelha”

A escritora cubatense Mô Amorim está lançando seu primeiro livro, “A Nuvem Vermelha”, que conta a história de uma menina, Lua, e seu crescimento até a vida adulta. O livro é uma publicação da Editora Adonis (www.editoraadonis.com.br) e conta com ilustrações de Nice Lopes (http://www.nicelopes.blogspot.com/).
A história de Lua é a história de sua formação, da pré-escola à universidade, onde, apaixonada pela vida da natureza que a cerca, opta por Biologia. Embora não seja nomeada em qualquer momento, a cidade de Lua, com mangues e indústrias, percebe-se que é Cubatão.

As frases curtas, comuns nos livros voltados para crianças, se aproximam muitas vezes de versos, inclusive com rimas e repetições, mecanismo comum da oralidade e das histórias contadas que fisga o leitor/ouvinte. Na entrevista abaixo, a própria autora destaca esse aspecto, ao revelar que escreve “lendo as palavras em voz sussurrada”. Um exemplo é o trecho abaixo, do Capítulo da Menina Sabida, que conta a rotina da menina da casa à escola:

“- Hora do colégio, Lua!

A mãe e as horas

- Você está atrasada!

- Viu que horas são?

- Lua! Falta um minuto pra uma!”

Por causa da habilidade da escritora, a história de Lua tem condições de ser acompanhada naturalmente por crianças e adolescentes mais jovens. Mas toda uma geração que cresceu em Cubatão nos anos 80, ou que conheceu a cidade, também vai se identificar com a protagonista porque, assim como ela, testemunhou o “Capítulo da Nuvem Cinza” que substitui a nuvem vermelha do título, na verdade uma revoada de guarás vermelhos:

“Faz tempo que Lua não vê mais

Nuvem vermelha

Passando pelo céu

Só nuvem cinza

Poluição

Gente tossindo

Natureza triste

Árvores secando”.

A partir desta situação, a protagonista decide estudar biologia e tomar parte nas transformações que passam a ocorrer na cidade, até que a nuvem vermelha que dá nome ao livro, tão presente em sua infância, volta a sobrevoar a cidade.

Vale destacar o achado da escritora no uso das metáforas das nuvens cinza e vermelha para a poluição e para os pássaros. O próprio contraste entre as duas cores aponta para a mudança nos ares da cidade e o envolvimento da personagem em entender e fazer parte do processo.

A nova ficção de Cubatão – "A nuvem vermelha" surge em um momento em que a ficção realizada na cidade busca refletir o processo de industrialização, suas consequências ambientais, as tragédias e a recuperação ambiental. Em outra chave isso é o mesmo que ocorre na poesia onírica de Marcelo Ariel, autor de Tratado dos anjos afogados", e nas próprias ilustrações de Nice Lopes. São autores que fazem da arte uma forma de entendimento do mundo, nos moldes do que escreveu a ensaísta e crítica literária argentina Beatriz Sarlo:

"A literatura, é claro, não dissolve todos os problemas colocados [pela reflexão sobre a sociedade], nem pode explicá-los, mas nela um narrador sempre pensa de fora da experiência, como se os humanos pudessem se apoderar do pesadelo, e não apenas sofrê-lo".

As obras de Mô Amorim, Marcelo Ariel e Nice Lopes fazem isso.

A seguir, entrevista com a autora de "A nuvem vermelha", que mantém o blog Estripitize-se (http://estripitizese.blogspot.com):

1) Que livro é "A nuvem vermelha"? Que história ele conta? E para quem?

É a história de uma menina sonhadora chamada Lua. Enquanto ela cresce, o lugar em que vive sofre transformações drásticas, o que a incomoda muito. Ela sai atrás de respostas e acaba descobrindo a si mesma. É um convite ao sonho. Não ao sonho preguiçoso e acomodado, mas ao sonho que nos faz estudar, pesquisar, questionar os valores vigentes de um lugar. É complicado classificar uma faixa etária para um livro. Eu, por exemplo, comecei a escrever inspirada por um livro “Os risadinhas”. E é um livro considerado infantil. Mas extremamente inteligente e com umas tiradas ótimas. Mas acredito que “A nuvem vermelha” terá maior correspondência entre crianças e jovens, que ainda podem fazer algo pela natureza.

2) E a personagem Lua, que tipo de espelho é ela da Lua, nosso satélite natural?

Lua, a personagem principal do livro, possui três características envolventes: sonhadora, sensível, forte e fascinante. Quase como a lua, que possui quatro fases, e cada uma com suas características, Lua tem tudo a ver mesmo com nosso satélite natural, como você mesmo afirmou em sua pergunta. Como a literatura tem muito de símbolos, eu quis esse mistério que a lua traz. A lua simboliza algo oculto, que está para se revelar a qualquer momento. E isso acontece na narrativa. Lua é sonho e ao mesmo tempo, é ação revelada por sua força. É sensível, a ponto de perceber o que a cerca, e fascinante por conseguir encantar.

3) Como está o lançamento do livro? Terá noite de autógrafos?

Ainda preciso confirmar uns lugares. Como conheço muita gente, fica complicado. (risos). Tenho meus alunos que viraram amigos, e tenho também os amigos. Mas gostaria de duas noites de lançamento: uma em Cubatão, pois devo muito a esta cidade na qual passei minha infância e adolescência, e outra em Santos, que é a cidade que escolhi para ficar velhinha. Não posso falar de espaços porque ainda não conversei com as pessoas responsáveis.

4) O fato de ter ilustrações teve que tipo de influência na concepção do livro?

Bem, eu tinha uma encomenda com prazo: escrever uma história sobre ecologia em seis dias. Quando o plano é escrever um conto, por exemplo, eu já sei que ele não vai ser ilustrado. Então, eu tento esgotar todas as formas de compreensão do leitor buscando na palavra o desenho da cena. Eu tinha um número de páginas para respeitar. Também já sabia que não poderia explicar tudo, “ilustrar” com palavras minhas ideias, para não cansar o leitor mirim. No caso deste livro, tudo foi muito particular. O “casamento” entre ilustração e narrativa foi tão perfeito que dá quase a sensação de que a ilustração veio antes. É meio complicado de se entender, mas isso torna tudo mais divertido. A verdade é que eu já tinha o final do livro na cabeça. Parece engraçado isso, não? Eu não tinha o miolo do livro, nem tampouco seu início. Apenas o final. Mas o mais interessante é que o final veio a mim não por palavras, e sim por imagens. È que quando escrevo, na verdade, estou vendo. Quando escrevo, remonta em mim uma cena estática, uma pintura, um quadro, uma ilustração. E sempre é assim. Eu vi a Lua adulta, linda, sensível e forte, suja da lama do mangue úmido e vi guarás-vermelhos voando sobre ela, arrancando, num gesto de gratidão, suas próprias penas e jogando sobre a heroína, formando nela um vestido. Era uma imagem de sonho. Enquanto eu sonhava com a narrativa, eu sabia que não existia outra pessoa que pudesse traduzi-la que não fosse minha amiga Nice Lopes. Nós nos conhecemos desde a infância e ela é a melhor ilustradora que conheço para traduzir minhas idéias. Ela me deixou muito à vontade para explicar minhas imagens mentais. O incrível é que ela conseguiu traduzi-las perfeitamente. E foi muito gentil quando perguntava a mim se era aquilo mesmo que eu havia imaginado. Eu posso dizer que ela continuou o livro, porque há sempre um texto guardado nos desenhos dela. Agradeço aos céus por este encontro, pois a Nice foi minha grande incentivadora a criar meu blog. Foi aí que tudo começou.

5) Que escritora é Mô Amorim? O que você busca na escrita?

Eu não sei ainda. Na verdade, não tenho a palavra ‘escritora’ grudada de forma leve em minha língua. Não sai fácil. Não me apresento como escritora, por exemplo. Eu sei que leio porque tenho medo de avião e por causa disso deixarei de ir a muitos lugares com que sonhei. E a leitura me leva. Mas quanto a escrever, acho, às vezes, ser um atrevimento meu. Talvez não consiga responder a esta pergunta sua sobre qual escritora é Mô Amorim. Mas tentarei descobrir agora mesmo (risos) por que escrevo. Bem, porque coisas me tocam. Eu sou de poros. E tenho um coração que gosta de dividir sensações. Então, se vejo a um filme que me toca, uma música que me embala, uma vitrine que me chama ou uma cor mais carmim no meu dia, eu gosto de escrever sobre isso. Eu me derreto quando escrevo. É como um violino num acorde cortante. Eu escrevo para me sentir. Isso é tão forte, não é? E eu sei que parece piegas, mas essa é toda a verdade. (risos) Eu sei que já escrevi pra ser amada. Não deu certo. Nunca. (risos de novo) Também já escrevi pra me vingar. Mas escrever acaba sendo sempre esse traço torto que sai de dentro, e nunca sai como quero. Há certos dias em que não consigo escrever, digitar um ‘oi’ a um amigo. Já cheguei a um ponto em que os dedos viraram meu aparelho fonador. Eu escrevo lendo as palavras em voz sussurrada. Para mim. Talvez por isso escrever seja algo tão intenso. É como se eu quisesse mostrar o poço que tem lá dentro. Mas daqui a pouco esse poço vira um oceano, e eu não sei mais o que escrever, como achar a palavra que descreva o profundo de lá. Isso me fez lembrar agora do saudoso Rodrigo de Sousa Leão quando afirmava que é preciso escrever pra gente. É isso: escrevo pra mim.

6) Para fechar: como andam os planos e projetos para frente?

Bem, antes de finalizarmos, quero agradecer imensamente por esta oportunidade de expressar o que sinto em relação à escrita. Isso, de certa forma, constrói parte do que sou. Agora, quanto aos meus planos, posso afirmar que são planos felizes e bobos. Felizes porque são divertidos e me trazem paz. Bobos, porque são simples, despretensiosos. Eu gostaria muito, Alessandro, de conseguir ver o livro “A nuvem vermelha” sendo objeto de leitura para alunos de Cubatão. Já existe um projeto pronto para isso, mas precisa de incentivos, ou seja, do patrocínio de alguma empresa ou órgão interessado em aumentar a cultura na cidade. Eu fico muito triste por constatar que não há uma livraria sequer em Cubatão. Isso me deixa envergonhada, constrangida, triste mesmo. Eu peço para meus alunos lerem, e eles não têm um lugar em sua cidade para comprar livros. Não digo só comprar, mas visitar também. O espaço de uma livraria não é apenas comercial, mas cultural. Ali um jovem pode entrar em contato com mundos diferentes do seu, ampliar horizontes, descobrir seus próprios caminhos. Será que os moradores só precisam de roupas, comida e carros? Eu criei meus filhos levando-os a ouvir e ler histórias em livrarias. Eu gostaria que outros pais tivessem também este privilégio, de conceder aos filhos o gosto pela leitura. As coisas boas que tive na vida, eu sempre desejo a todos. Quanto aos projetos mais pessoais, pretendo reunir meus textos do blog (www.estripitizese.blogspot.com) em um livro. Ah! Eu me enganei, esse sim seria um baita sonho grande! O blog já teve mais de 35 mil acessos e, através dele, já fiz muitos amigos entre leitores e escritores. Tem sido um espaço onde posso mostrar minha escrita sem amarras, como sugere o próprio nome do blog no imperativo: “Estripitize-se”, ou seja, solte-se, mostre a alma, mente e coração. Escrever é mostrar-se, desnudar-se das palavras presas. E eu, Alessandro, sempre quis ser livre!

Texto: Alessandro Atanes
Foto: Ilustração de Nice Lopes (anexo)

Um comentário:

  1. Conheço outra escritora de cubatão que também merece atenção, Cubatão terra das letras,literaturas,e literárias...Abraço a todos

    ResponderExcluir